No ápice da Guerra do Armageddon, quando o conflito entre anjos e demônios atingiu seu clímax, o equilíbrio de forças, que até então parecia pender ligeiramente a favor das hordas infernais, foi subitamente desfeito. Os demônios, uma casta determinada a exterminar os anjos por serem seus opostos em poder e valores, enfrentaram pela primeira vez uma desvantagem absoluta. A fonte desse revés foi uma criação mística dos anjos: uma criatura de pura essência angelical, dotada de um poder inimaginável. Com um único sopro de sua chama sagrada, essa entidade dizimava batalhões inteiros de soldados demoníacos.
A aparição da criatura lançou os líderes infernais em um estado de desespero contido. Eles não sabiam o que os anjos haviam sacrificado para dar origem a tamanha força, mas uma coisa era certa: sem um poder equivalente, a derrota era inevitável. A batalha seguinte foi um massacre. As forças demoníacas foram reduzidas a cinzas, seus comandantes abatidos um a um. Mas, ao custo de incontáveis vidas, conseguiram um feito improvável: capturaram o corpo ferido de uma dessas criaturas angelicais. Uma chance única de descobrir os segredos por trás de sua criação.
Foi então que os príncipes do Quarto e Quinto Círculos Infernais uniram forças — um evento quase inédito, dada a natureza orgulhosa e individualista dos lordes infernais. Por meses, conduziram experimentos macabros no cadáver angelical, dissecando cada fibra de sua existência. O centésimo primeiro ano da guerra trouxe a culminação de seus esforços: eles finalmente sintetizaram um líquido alquímico capaz de replicar aquele poder. Um único frasco de energia líquida, capaz de transformar um ser vivo em uma criatura semelhante. Porém, havia um obstáculo intransponível: a ativação da substância requeria uma concentração incomparável de energia maligna, uma força que nem os próprios demônios, em sua essência corrupta, eram capazes de alcançar.
A busca pela chave que faltava consumiu anos, até que os demônios encontraram a solução em um lugar inesperado: a humanidade. Um homem, cuja alma era um abismo de desejos torpes e malignos, tornou-se a escolha perfeita. Ele era um receptáculo natural para o ritual — perversidade humana elevada à sua forma mais pura. E assim, o teste foi realizado. A transformação foi um sucesso. O humano, agora imbuído com a essência do líquido alquímico e moldado pela energia maligna, renasceu como uma nova criatura. Mas o resultado fugiu completamente das expectativas.
A besta criada não era uma réplica exata daquilo que haviam enfrentado antes. Era algo pior. Seu poder caótico era incontrolável, e suas asas negras, que se ergueram como um presságio de destruição, simbolizavam mais do que um triunfo infernal: simbolizavam a ruína. A criatura, diferente de tudo que os demônios haviam imaginado, atacava indiscriminadamente, destruindo anjos e demônios com a mesma voracidade. Os lordes infernais haviam ignorado um fator crucial na equação: a imprevisibilidade da alma humana.
Enquanto ela se banhava no sangue de suas vítimas, um novo terror emergia. A criatura não apenas dilacerava os dragões angelicais, mas os contaminava com sua essência caótica. Eles renasciam sob seu domínio, transformados em aberrações semelhantes, criando uma nova raça que existia apenas para satisfazer os desejos primordiais e distorcidos de seu criador. Matar, destruir, consumir. O caos se alastrava como uma praga.
Ainda assim, os demônios adaptaram suas táticas, aprendendo a canalizar o poder da criatura para seus próprios fins, mesmo que isso custasse caro. A guerra, antes inclinada ao fim, foi revitalizada. O sangue de anjos e demônios tingia os campos de batalha, e o Armageddon se tornava mais uma vez imprevisível. Mas a vitória, para qualquer lado, parecia agora mais distante do que nunca.